Florianópolis concentra 80% das mortes violentas de LGBTI+ em Santa Catarina

Florianópolis é uma cidade segura para a população LGBTI+? 

Algumas pessoas podem afirmar que sim, afinal, desfrutamos de indicadores invejáveis em qualidade de vida, com um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,847, acima do índice nacional que é de 0,759. Também contamos com bons índices educacionais, sendo a capital com a menor taxa de analfabetismo no país, 0,8% de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2017 (PNADC). Contudo, estes indicadores não refletem a real situação da população LGBTI+ em Florianópolis, que sofre, assim como em todo o país, com o preconceito, a exclusão social e a violência física e simbólica que, quando não mata, provoca enormes danos ao psicológico das pessoas LGBTI+.

De acordo com o Relatório do Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil, apenas em 2020, foram registradas 4 mortes violentas de LGBTI+ em Florianópolis, o que corresponde a 80% do número de vítimas em Santa Catarina. Considerando os dados do ano anterior, o número de mortes violentas de LGBTI+ em Florianópolis cresceu 100%, saltando de 2 mortes em 2019, para 4 em 2020. Diante de um cenário tão crítico, não há como afirmar que temos uma cidade segura para a população LGBTI+, tampouco há o que comemorar no Brasil, apesar da redução de 28% no número de mortes violentas no país. Segundo a Acontece Arte e Política LGBTI+ e o Grupo Gay da Bahia (GGB), que produziram o relatório, a queda no número se deu mais por conta da subnotificação, decorrente da pandemia, e de ações adotadas pela população LGBTI+, no sentido de preservar a própria vida, do que por ações do Estado brasileiro para combater a violência.

O crescimento da extrema direita no Brasil nos últimos anos amplificou o discurso ultraconservador e fundamentalista, repleto de ódio e de ataques contra a população LGBTI+. Prova disso, foi que uma das principais ações que viabilizaram a eleição de Jair Messias Bolsonaro no Brasil, em 2018, foi a sua participação no Jornal Nacional, em 28 de agosto de 2018, quando o então candidato mentiu ao mostrar o livro Aparelho sexual e Cia – um guia inusitado para crianças descoladas – tradução do livro escrito por Zep (pseudônimo do autor suíço Philippe Chappuis) e ilustrado pela francesa Helene Bruller,  lançado no Brasil em 2007 e editada pela Companhia das Letras – alegando que tratava-se de um “kit gay” que seria distribuído pelo governo da presidenta Dilma Rousseff nas escolas do país. O livro foi publicado em mais de 10 idiomas, com 1,5 milhão de exemplares vendidos no mundo. Não adiantou alguns veículos de imprensa desmentirem Bolsonaro. A fake news, exibida no telejornal de maior audiência no país, já estava na boca e no imaginário do povo brasileiro. O estrago já estava feito.

O que se viu nos anos seguintes à posse de Jair Bolsonaro foi uma sucessão de ataques e ofensas contra os direitos e a dignidade da população LGBTI+ no Brasil. A começar pelo discurso de Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, que tratou de dizer que em sua gestão à frente da pasta, meninas iriam usar rosa e meninos azul. É assim que, aos poucos, o discurso heteronormativo vai sendo imposto na consciência coletiva. Sob essa ótica deturpada, repleta de intolerância e fundamentalismo religioso, o diferente torna-se uma ameaça à “família tradicional”, precisa ser combatido, destruído e eliminado. O ódio torna-se política de Estado e a violência simbólica contra a população LGBTI+ é normalizada.

Não custa lembrar que, em Florianópolis, Bolsonaro teve 64,86% dos votos válidos. Portanto, temos na nossa cidade uma parcela significativa da população que foi cooptada pelo discurso de ódio e pela desinformação promovida pela campanha bolsonarista. Talvez isso explique a crescente violência contra a população LGBTI+ na capital catarinense, afinal, muitos encontram no discurso de ódio e intolerância de Jair Bolsonaro e de seus ministros, eco para os seus próprios preconceitos. 

De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), “muitos casos de violência contra pessoas LGBT não são denunciados, pois muitas pessoas temem represálias e não querem se identificar ou não confiam na polícia ou no sistema judicial”. O problema da violência em Florianópolis é agravado, sobretudo, pela falta de políticas públicas efetivas para amparar e proteger essa população, conforme alerta da CIDH: “As pessoas LGBT que vivem na pobreza são mais vulneráveis a abusos e ações policiais, e consequentemente a taxas mais altas de criminalização e encarceramento […] as pessoas LGBT jovens não possuem adequado acesso à moradia, o que aumenta seu risco de ser vítimas de violência. Além disso, a CIDH observa que os abrigos e lares comunitários de assistência geralmente não são seguros para as pessoas LGBT, principalmente para as pessoas trans […]”.

A resposta do poder público e da sociedade ao aumento no número de mortes violentas de LGBTI+ em Florianópolis, não deve ser compreendida apenas em torno de ações de segurança pública e justiça. É necessário pensar o problema em torno das vulnerabilidades sociais e promoção da cidadania, que ainda carece de muitos investimentos na esfera municipal. É preciso garantir o acesso da população LGBTI+ à educação, desde a primeira infância, com um cuidado especial para o combate ao bullying e à promoção dos direitos humanos no ambiente escolar. Também precisamos fomentar a inclusão de jovens LGBTI+ ao mercado de trabalho, com políticas de conscientização sobre a importância da diversidade nas empresas. Vale destacar que, equipes diversas possuem diferentes visões para solucionar problemas comuns das organizações, o que fortalece a inovação e busca por soluções. Por fim, além da educação e trabalho e renda, precisamos desenvolver políticas públicas nas áreas da saúde, direitos humanos e habitação, para que contribuam na erradicação das mortes violentas e proporcionem igualdade cidadã à comunidade LGBTI+.

Em nosso mandato, na Câmara Municipal de Florianópolis, temos buscado construir essas políticas públicas e incluir a população LGBTI+ nos diferentes projetos que temos elaborado. Como a primeira vereadora lésbica eleita na cidade, entendemos a importância da nossa atuação legislativa e da visibilidade que conquistamos para a nossa comunidade. Apesar de integrarmos uma minoria na Câmara, temos buscado construir um diálogo junto ao Executivo municipal, no sentido de alertar estas autoridades para a violência crescente que nossa comunidade vem sofrendo, bem como, para reivindicar investimentos e ações efetivas para proteger e garantir a cidadania da população LGBTI+.

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