Iniciativa busca garantir o atendimento integral, seguro, livre de interferências e da violência obstétrica.
Um projeto de lei de autoria da então deputada federal Carla Ayres (PT-SC) pretende instituir no Sistema Único de Saúde (SUS) o Programa de Atenção Humanizada ao Aborto Legal e Juridicamente Autorizado. A proposta busca assegurar o direito ao procedimento nos casos em que já é autorizado ; consolidar o SUS como equipamento público prioritário na realização do procedimento; garantir o respeito à autonomia das pessoas que gestam; além de um atendimento ético, livre de interferências e sem discriminação de qualquer ordem. Dados do Ministério da Saúde apontam que, em 2023, 2.687 procedimentos de abortamento legal foram realizados no Brasil, o que reforça a importância de se estabelecer diretrizes para assegurar este direito.
A proposta de criação do Programa de Atenção Humanizada ao Aborto Legal e Juridicamente Autorizado encontra ressonância nos movimentos sociais feministas que mantiveram diálogo constante com a deputada ao longo dos últimos meses. Um dos principais itens do texto diz respeito ao enfrentamento da violência obstétrica no país, apontando em seu artigo 7º, parágrafo 2º, condutas que a caracterizam:
I – Tratar a pessoa que gesta de forma desrespeitosa ou agressiva;
II – Questionar ou desmerecer a decisão da pessoa que gesta sobre a realização do aborto legal;
III – Negar ou procrastinar o atendimento à pessoa que solicita o aborto legal;
IV – Fazer comentários constrangedores sobre a pessoa que busca o aborto legal com base em sua raça, etnia, idade, escolaridade, classe social, religião, orientação sexual, estado civil ou situação conjugal, número de filhas e filhos, toda e qualquer conduta que lese a idoneidade moral da pessoa em caso de aborto legal;
V – Impedir a presença de acompanhante escolhido pela pessoa gestante, mesmo que não haja grau de parentesco, durante o atendimento, salvo em casos que impliquem risco à segurança ou à vida da pessoa gestante;
VI – Coagir, com qualquer finalidade, a pessoa gestante em situação de aborto legal a não realização do procedimento.
A proposta também determina que, mesmo nos casos em que o profissional de saúde alegar objeção de consciência para não realizar o procedimento, é dever da unidade da rede de assistência obstétrica realizar o procedimento em tempo hábil. Para isso, estas unidades devem contar com uma equipe multiprofissional apta a realizar o procedimento durante todo o seu horário de funcionamento.
Para a deputada Carla Ayres, o Brasil precisa avançar na garantia do acesso ao aborto legal: “Precisamos criar uma agenda positiva para o Brasil, discutindo projetos de interesse público e aperfeiçoando a legislação para que o Estado brasileiro possa dar resposta aos temas que afetam a vida da população nos dias atuais. O aborto legal é um direito já assegurado por lei, porém, quem precisa acessar este direito ainda encontra muitas dificuldades. Um dos maiores entraves para a sua realização é o número escasso de unidades de saúde que realizam o atendimento. Em Santa Catarina, por exemplo, apenas três hospitais realizam o procedimento”, destacou a parlamentar.
Carla Ayres ainda destacou a necessidade de se assegurar um atendimento humanizado, que priorize a saúde física e mental das pessoas que acessam o aborto legal: “Precisamos combater a estigmatização e a discriminação das pessoas que buscam a realização do aborto legal, garantindo que recebam apoio emocional, psicológico e médico. Por isso, nossa proposta prevê a capacitação contínua dos profissionais de saúde envolvidos no atendimento, assim como campanhas de sensibilização sobre a importância da atenção humanizada”.
O projeto, inspirado em proposta semelhante apresentada por Marielle Franco, enquanto vereadora no Rio de Janeiro, ainda ressalta as hipóteses em que o aborto legal é autorizado:
I – Quando não houver outro meio de salvar a vida da gestante, conforme o disposto no art. 128, inciso I, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
II – Quando a gravidez for resultante de estupro e houver consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal, nos termos do art. 128, inciso II, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
III – Nos casos de antecipação terapêutica do parto em razão de feto anencéfalo;
IV – Os casos autorizados judicialmente.
“A legislação que dispõe sobre o direito ao aborto no Brasil ainda é muito insipiente, frente a importância deste debate e a sua relevância para a sociedade brasileira. O que temos atualmente no nosso país são excludentes no Código Penal e uma decisão da Suprema Corte. A fragilidade dessa legislação contribui para a desinformação, o uso ideológico da pauta e a escassez de políticas públicas voltadas à garantia deste direito. Neste sentido, o projeto que apresentamos pode representar um passo histórico para o Brasil, ao detalhar as diretrizes para o acesso ao aborto legal e para que tenhamos, enfim, uma produção legislativa focada no entendimento de que este é um tema de saúde pública”, concluiu a deputada.
O PL 3984/2024 foi protocolado por Carla Ayres, na Câmara Federal, durante o período em que ela esteve como deputada federal, em substituição ao deputado Pedro Uczai (PT-SC), que reassumiu o mandato no último dia 17 de outubro. A parlamentar retorna ao cargo de vereadora, em Florianópolis, tendo sido reeleita para a próxima legislatura (2025/2028).