A Prefeitura de Florianópolis apresentou um projeto de lei para a Reforma da Previdência dos servidores municipais. Sua tramitação na Câmara Municipal iniciou em 12 de fevereiro de 2025. Essa proposta traz mudanças significativas que afetam diretamente aposentados, pensionistas e servidores ativos, estabelecendo novos critérios para contribuição e aposentadoria.
A reforma proposta pelo prefeito Topázio pode ser considerada ainda mais severa que a Reforma da Previdência do Bolsonaro, aprovada em 2019. Os principais impactos recaem sobre aposentados que recebem menos e sobre as servidoras mulheres, que enfrentarão um aumento significativo nos requisitos para aposentadoria. Neste texto, apresentamos os principais pontos do projeto, explicando como era antes, o que muda e quais são os impactos.

1. Cobrança de contribuição para aposentados e pensionistas
Como era antes? Atualmente, a contribuição de 14% sobre os benefícios só é cobrada de aposentados e pensionistas que recebem acima do teto do INSS (R$ 8.157).
O que muda? O projeto estabelece que todos os aposentados e pensionistas que recebem acima de dois salários mínimos passarão a pagar 14% de contribuição.
Impacto: Essa mudança afeta diretamente os servidores aposentados de menor renda, reduzindo ainda mais seus benefícios. Diferente de uma alíquota progressiva – como prevista no artigo 149, § 1º, da Constituição Federal, que poderia aliviar a carga para os de menor remuneração –, a proposta impõe um desconto igual para todos, penalizando quem ganha menos.
2. Criação de dois fundos e fim da solidariedade intergeracional
Como era antes? O regime previdenciário era de repartição simples, onde os servidores ativos financiavam a aposentadoria dos inativos, garantindo um sistema solidário.
O que muda? Serão criados dois fundos:
- Fundo Financeiro em Repartição: Para servidores ativos com mais de 40 anos e aposentados com mais de 78 anos.
- Fundo de Capitalização: Para servidores com menos de 40 anos, novos ingressantes no serviço público e pensionistas.
Impacto: O modelo de capitalização transfere a responsabilidade da aposentadoria para cada servidor individualmente, eliminando a segurança proporcionada pelo regime solidário. Além disso, a prefeitura pagará alíquotas diferenciadas para cada fundo, facilitando a futura privatização da previdência. A lei prevê a criação dos fundos com data retroativa a 31 de dezembro de 2024, porém isso é inconstitucional; a regra previdenciária é condicionada à lei vigente na época.
3. Fim da aposentadoria por incapacidade permanente para doenças graves
Como era antes? Doenças graves como Alzheimer, Parkinson e câncer garantiam aposentadoria integral.
O que muda? A reforma exclui o direito à aposentadoria por incapacidade permanente por doenças às quais a aposentadoria era garantida, como:
- alienação mental;
- cardiopatia grave;
- cegueira;
- contaminação por radiação com base em conclusão da medicina especializada;
- doença de Alzheimer;
- doença de Parkinson;
- espondiloartrose anquilosante;
- estado avançado da doença de Paget-osteíte deformante;
- hanseníase;
- hepatopatia grave;
- nefropatia grave;
- neoplasia maligna;
- paralisia irreversível e incapacitante;
- síndrome da imunodeficiência adquirida;
- tuberculose ativa.
Agora, a aposentadoria por incapacidade permanente será integral apenas em casos de acidente de trabalho ou doenças ocupacionais.
Impacto: Pacientes com doenças graves terão seus benefícios reduzidos e dependerão de perícias médicas terceirizadas para decidir sobre a sua incapacidade permanente, o que pode aumentar o assédio sobre trabalhadores doentes, inclusive os de difícil diagnóstico. Além disso, muda a condição para aposentadoria nesta situação, abrindo possibilidade de que o executivo obrigue o trabalhador a uma aposentadoria precoce, mesmo antes de completar dois anos de afastamento, gerando prejuízo no cálculo da aposentadoria.
4. Aumento do tempo de contribuição e idade mínima para aposentadoria
Como era antes?
- Mulher: 55 anos de idade e 10 anos de contribuição.
- Homem: 60 anos de idade e 10 anos de contribuição.
O que muda?
- Mulher: 62 anos de idade e 25 anos de contribuição.
- Homem: 65 anos de idade e 25 anos de contribuição.
A nova proposta define que, para atingir 100% da média, será necessário que, para tudo o que exceder 15 anos de contribuição (para mulheres) e 20 anos (homens), haja acréscimo de 2% ao ano.
Impacto: A mudança afeta especialmente as mulheres, que precisarão trabalhar 7 anos a mais. Além disso, o benefício inicial será de apenas 60% da média salarial, exigindo mais anos de trabalho para atingir 100%.
Exemplos:
- Mulher: Ingressou na prefeitura aos 30 anos. Aos 62, terá 32 anos de contribuição, 17 a mais que o mínimo de 15 anos, o que equivale a um acréscimo de 34% na média salarial. A soma dos 60% iniciais (idade, tempo de contribuição, serviço público e cargo) com os 34% adicionais resulta em 94% da média salarial. Para alcançar 100%, precisaria trabalhar mais 3 anos, aposentando-se aos 65 anos.
- Homem: Ingressou na prefeitura aos 30 anos. Aos 65, terá 35 anos de contribuição, 15 a mais que o mínimo de 20 anos, correspondendo a um acréscimo de 30% na média salarial. A soma dos 60% iniciais com os 30% adicionais resulta em 90% da média salarial. Para alcançar 100%, precisaria trabalhar mais 5 anos, aposentando-se aos 70 anos.
Aposentadoria Especial:
- Magistério: Reduz a idade mínima em 5 anos em relação à regra geral. Aposentadoria aos 57 anos (mulheres) e 60 anos (homens), com 25 anos de trabalho no magistério. No entanto, com o aumento da idade mínima, o tempo de contribuição também aumenta.
- Insalubridade: Exige 60 anos de idade para homens e mulheres, além de 25 anos em área insalubre. A nova regra impede a conversão do tempo insalubre para tempo comum e exige um tempo mínimo de exposição, prolongando o contato com agentes nocivos.
- Pessoa com Deficiência: Segue as mesmas regras do INSS, sem oferecer avanços nos direitos desses trabalhadores.
5. Regras de transição e redução dos benefícios
Como era antes? Havia regras de transição mais flexíveis e a média salarial era calculada descartando 20% das menores contribuições.
O que muda? Agora, o cálculo considera todas as contribuições, reduzindo o benefício. A idade para mulheres sobe para 57 anos e o tempo de contribuição para homens aumenta de 30 para 35 anos.
Impacto: A regra resulta em valores menores para as aposentadorias e obriga os servidores a trabalharem mais anos para alcançar um benefício maior.
Regras:
- Pontuação: Soma idade + tempo de contribuição. Começa em 86 pontos (mulheres) e 96 pontos (homens), aumentando anualmente até 100 (mulheres) e 105 (homens). Na prática, torna-se cada vez mais difícil de alcançar. Para o magistério, há uma redução de 5 anos.
- Paridade e Integralidade (2003): Mantidas para quem ingressou no serviço público até 2003, desde que cumpra os novos requisitos de idade e tempo de contribuição. Porém, o valor da aposentadoria sofre um desconto de 14% devido à alíquota dos aposentados.
- Anuênio e Triênio: Só podem ser contados se o tempo de serviço for no Executivo ou Legislativo de Florianópolis.
6. Extinção do IPREF e risco de privatização
Como era antes? O IPREF era uma autarquia responsável pela gestão previdenciária dos servidores municipais.
O que muda? O Ipref será transformado em fundação, permitindo a gestão dos recursos por instituições financeiras privadas.
Impacto: Isso abre caminho para a privatização da previdência dos servidores, colocando a segurança das aposentadorias em risco.
Considerações
A reforma proposta pela Prefeitura de Florianópolis traz profundas alterações que reduzem direitos e aumentam a carga sobre as servidoras e os servidores, especialmente aposentados, pensionistas e mulheres. A eliminação da aposentadoria integral para doenças graves, a criação de um sistema de capitalização e a maior exigência para aposentadoria demonstram um desmonte do sistema previdenciário atual. Diante dessas mudanças, é fundamental que os servidores e a população compreendam os impactos dessa proposta e participem do debate para defender seus direitos.
CARLA VOTA PELA INADIMISSIBILIDADE DO PROJETO NA CCJ
Em 10 de março, os projetos de reforma da previdência dos servidores municipais, propostos pelo prefeito Topázio, foram analisados na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Municipal de Florianópolis.
A vereadora Carla Ayres votou pela devolução do projeto que altera a Lei Orgânica do Município à prefeitura, uma vez que o texto menciona regras de transição que não estão claramente definidas. Além disso, apontou a inconstitucionalidade da proposta, que impõe um impacto desproporcional às mulheres ao elevar a idade mínima para aposentadoria, ferindo o princípio da igualdade de gênero. Diante disso, solicitou que o projeto seja analisado também pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e da Promoção da Igualdade de Gênero (CDDMPIG) e pela Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CDDPD).
Em relação ao Projeto de Lei Complementar nº 1976/2025, a vereadora votou pela inadmissibilidade da matéria, considerando que o texto apresenta vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade, tornando necessária a elaboração de um substitutivo global. Segundo Carla Ayres, a proposta não atende às justificativas e estudos apresentados, fere princípios constitucionais e contém critérios indefinidos, confusos e contraditórios.
Outro ponto destacado pela parlamentar foi a falta de respostas a diversos questionamentos feitos pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina sobre a matéria. Além disso, a proposta reduz a alíquota patronal no fundo de capitalização, o que, segundo a vereadora, contradiz o argumento da Prefeitura de que a reforma é necessária para garantir a sustentabilidade da previdência dos servidores municipais.
Mesmo com o posicionamento, os projetos da reforma avançaram na CCJ.
CPI JÁ!
A vereadora Carla Ayres pediu, no dia 10 de março, a criação de uma CPI para investigar possíveis irregularidades na gestão do fundo de previdência dos servidores municipais de Florianópolis.
O pedido se baseia em um histórico de má administração do fundo, incluindo retiradas indevidas de dinheiro, transferências para o tesouro da Prefeitura e atrasos no pagamento da parte que cabe ao município. Essas práticas levaram a um grande rombo nas contas.
Nos últimos anos, as reformas da previdência têm prejudicado servidores ativos e aposentados, cobrando deles a conta desse déficit sem investigar as reais causas do problema e a responsabilidade da Prefeitura.
“Precisamos esclarecer o papel da Prefeitura nessa crise, avaliar se as decisões tomadas foram corretas e entender os impactos das reformas. O peso do déficit não pode cair só sobre os servidores – a Prefeitura também precisa assumir sua parte”, explica Carla Ayres.