A violência contra as mulheres atravessa muitas situações, fruto das desigualdades e das realidades sociais e culturais que somos subordinadas em uma sociedade machista e patriarcal e de um Estado, que muitas vezes não pensa políticas públicas básicas. Além da violência física, patrimonial, psicológica e dos altos índices de feminicídio, as mulheres e outras pessoas que menstruam, como os homens trans, enfrentam outras dificuldades, como o acesso a itens básicos de higiene no período menstrual.
A dificuldade das pessoas que menstruam em acessarem itens básicos de higiene íntima, sexual e sobretudo higiene menstrual gera uma realidade de desigualdade e de problemas gravíssimos. Não é só falta do absorvente, como também da água para higienização, saneamento básico, privacidade do uso de banheiro, por não ter banheiro individual em casa ou banheiro só para mulheres no trabalho, entre outros fatores. É um cenário que vai além da questão de gênero e que a questão de gênero se aprofunda.
Infelizmente a sociedade não discute saúde da mulher e não fala sobre menstruação. A menstruação é um tabu, que não é discutido em casa, nas escolas e do ponto de vista do Estado. No Brasil, o absorvente não é tido como item de primeira necessidade, isso faz com que os impostos sejam diferentes e consequentemente mais altos do que se fosse considerado de primeira necessidade, a exemplo do sabonete e creme dental. Estudos apontam que pessoas que menstruam gastam no mínimo de R$12,00 a R$15,00 por mês com absorvente. É um gasto significativo para muitas pessoas, que tem que fazer escolhas pela alimentação ou higiene pessoal.
Outros dados apontam que 22% de meninas de 12 a 14 anos não tem acesso regular a absorvente, 26% de meninas de 15 a 17 anos não tem esse acesso regular no Brasil e 1,5 milhão de pessoas no Brasil não tem banheiro em casa ou não tem acesso a banheiro no ambiente de trabalho. Outras 15 milhões de pessoas no Brasil não recebem água encanada em casa e cerca de 27 milhões de pessoas no país não tem esgoto tratado, o que gera o debate sobre saúde e as dificuldades de se higienizar no período menstrual. Isso também é violência contra a realidade das pessoas que menstruam.
PROJETOS DE LEI EM FLORIANÓPOLIS E SÃO JOSÉ VISAM GARANTIR QUE POPULAÇÕES MAIS VULNERÁVEIS TENHAM ACESSO AO ABSORVENTE
Finalmente estamos trazendo esse debate à tona aqui na Grande Florianópolis, principalmente do ponto de vista legislativo. Em março deste ano, durante o meu terceiro mêsdato como suplente do vereador Lino Peres (PT), recebi no gabinete o vereador de São José Caê Martins (PDT) e as pesquisadoras Marília Bueno e Laís Santos, que juntas estão construindo um movimento em defesa da superação da pobreza menstrual na região metropolitana. Laís e Marília são fundadoras do projeto Menstruando sem Tabus, que arrecada e distribui absorventes e sabonetes para populações vulneráveis na Grande Florianópolis.
Laís, Marília e Caê construíram juntos um Projeto de Lei, já aprovado em São José, que visa a distribuição de absorventes higiênicos pela rede municipal de ensino, diminuindo inclusive a evasão escolar, consequência da falta de recursos para compra de absorventes. O PL, que foi sancionado recentemente pela Prefeitura de São José, nasceu após Laís identificar em suas pesquisas para monografia do TCC em Direito, as realidades que permeiam a vida e a intimidade das pessoas que menstruam. Uma das questões que marcou muito Laís na pesquisa foi o fato de algumas pessoas utilizarem jornal, papel higiênico e até miolo de pão para conter o sangue. Ela ressalta que além de constrangedor, isso é prejudicial à saúde, podendo ocasionar em miomas, retirada do útero ou até mesmo morte decorrente de infecção. Além disso, há também uma preocupação com mulheres em situação de cárcere, pois o Estado muitas vezes não garante acesso a esses itens. Devido a pandemia de Covid-19, há uma dúvida de como estão sendo atendidas essas pessoas, visto que geralmente são os familiares que fornecem os produtos. Com a Lei aprovada em São José, é possível salvaguardar ao menos os direitos das pessoas que menstruam em idade escolar.
O mandato do vereador Lino Peres, que já havia discutido sobre o tema, inspirado no Projeto de Lei do vereador Leonel Brizola (PSOL), protocolou em junho um PL similiar ao do vereador Caê Martins, ampliando a distribuição dos absorventes também em postos de saúde do municipio de Florianópolis. Assim como em São José, esperamos que o PL do vereador Lino Peres, em Florianópolis, seja aprovado por unanimidade e que as políticas possam ser aplicadas no município. Enquanto estivemos na Câmara, recebemos denúncias de mulheres em situação de rua, em especial das que estavam ou que ainda estão abrigadas na Passarela da Cidadania, que elas recebiam da Associação Braços Abertos (ABA), que possui um contrato com a Prefeitura, apenas um absorvente por dia durante o período menstrual. Sabemos que isso não é nada, os fluxos sanguíneos são diferentes e é preciso falar sobre isso.
DICA DE PRODUÇÕES SOBRE O TEMA
O setor cultural também nos permite aprofundar este tema e como temos feito em nossas redes, indicamos produções que tratam dos tabus que cercam a menstruação: documentário indiano “Absorvendo o Tabu”, vencedor do Oscar de melhor documentário de 2019; documentário brasileiro “Nosso Sangue, Nosso Corpo”, ganhador do Emmy Kids na categoria “Factual” em 2020; entrevista de Nathália Braga, no Intercept Brasil, “Sem dinheiro para absorventes: pobreza menstrual” e o livro “Presos que Menstruam”, de Nana Queiroz.
OCUPAR ESPAÇOS PÚBLICOS PARA GARANTIR POLÍTICAS PÚBLICAS
Não é de hoje que a mulher vem sendo negligenciada pelo Estado, num projeto político de invisibilização dos nossos corpos e das nossas lutas. Precisamos cada vez mais ocupar estes espaços para mudar essa realidade. É fundamental contar com o apoio de companheiras e companheiros como o Caê e o Lino, que levaram esse debate para dentro das Câmaras de Vereadores de São José e Florianópolis, mas sobretudo é importante que cada vez mais mulheres estejam à frente dessa discussão. O corpo feminino mexe com a própria lógica do espaço das Câmaras. Os prédios, as cidades, as ruas, as políticas públicas não foram planejadas para nós, portanto precisamos olhar a nossa volta e construí-las, permitindo com que todas, todos e todxs tenham o acesso aos direitos garantidos.