Projeto de internação compulsória ignora legislações vigentes e viola direitos humanos

Em tramitação relâmpago na Câmara Municipal de Florianópolis, o Projeto de Lei Nº 19044/2024, de iniciativa da Prefeitura, que propõe a internação compulsória de pessoas em situação de rua foi aprovado na primeira votação na noite desta quarta-feira (14). A medida ignora as legislações existentes, viola direitos humanos e perpetua o ciclo de exclusão social. 

Legislações contrárias

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a proposta vai de encontro à Lei da Reforma Psiquiátrica (10.216/2001), que estabelece um modelo de assistência à saúde mental priorizando serviços comunitários e a participação social. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), juntamente com outras unidades de apoio, são essenciais nesse formato, oferecendo um tratamento territorializado, que respeita o convívio social e familiar dos indivíduos em situação de vulnerabilidade.

Além disso, a proposta desconsidera a legislação relacionada ao tratamento de usuários de drogas (Lei nº 13.840/2019), criando uma categoria inexistente de “internação humanizada”. 

A legislação federal tampouco estabelece restrições para o tratamento de usuário ou dependente de drogas em situação de rua. Essa diferenciação promoveria discriminação e violaria o princípio da igualdade, em desacordo com a Política Nacional para a População em Situação de Rua  (Decreto nº 7.053/2009), que preconiza ações que visem diminuir estigmas sociais, violência e violações de direitos desta população.

Inconstitucionalidade

A inconstitucionalidade do projeto também é evidente, conforme demonstrado na decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6559, de 2021. Não cabe ao município legislar sobre assistência social, tornando o projeto não apenas ilegal, mas também inconstitucional.

Sucateamento da Assistência Social de Florianópolis

Na prática, o PL 19044/2024 não é eficaz em solucionar os problemas estruturais da população em situação de rua, até porque não é acompanhado por indicadores sociais e oferta de serviços. Ao invés disso, coloca em risco os direitos dessa população, sem oferecer canais adequados de denúncia e fiscalização das ocorrências.

O sucateamento dos serviços de assistência social do município, intensificado na gestão Gean-Topázio, é a principal causa do agravamento dos problemas sociais que afetam essa população. A falta de investimentos em políticas públicas adequadas, como casas de acolhimento e acompanhamento psicossocial, contribui para a marginalização.

Dados sobre a população de rua

De acordo com o último Relatório da População em Situação de Rua, produzido pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania em agosto de 2023, Florianópolis  está entre os dez municípios com maior número de pessoas em situação de rua. O relatório aponta a presença de 2020 pessoas, a partir de dados do Cadastro Único e do Censo Demográfico 2022 (IBGE).

No entanto, os serviços disponíveis para esse segmento são pouquíssimos. Há somente uma equipe de Consultório na Rua. Florianópolis é a capital com o menor número de Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), apenas dois, ao lado de Cuiabá. 

Em dezembro, a Prefeitura respondeu a um ofício desta vereadora questionando quantas vagas de abrigamento estão disponíveis na cidade. Entre serviços conveniados, contratados e próprios, são apenas 466. O déficit nos serviços é evidente. 

Diante desse cenário, é fundamental reconhecer que existem alternativas viáveis e humanizadas. A Política Nacional da População em Situação de Rua e as recomendações da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina apresentam propostas que priorizam o fortalecimento dos serviços de assistência social e da rede de atenção psicossocial.

É uma falácia que não há soluções reais e humanizadas que combatam a exclusão social e garantam o direito de todas e todos. 

Confira a fala na íntegra da vereadora Carla Ayres, durante a discussão do projeto na Câmara Municipal.

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