A pandemia de Covid-19 afetou em cheio a vida e a rotina da população mundial. Além de trazer desafios para toda a sociedade, escancarou as desigualdades de gênero e a sobrecarga que as mulheres acumulam em seu dia a dia. Diversas pesquisas apontam como as mulheres foram afetadas pela pandemia do novo coronavírus.
Uma delas, a “Sem Parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia”, realizada pela Gênero e Número e SOF Sempreviva Organização Feminista, com 2.641 respostas validadas para análises entre os dias 27 de abril de 2020 e 11 de maio de 2020, revelou que 50% das mulheres brasileiras passaram a cuidar de alguém na pandemia. 72% afirmaram que aumentou a necessidade de monitoramento e companhia, especialmente para mulheres responsáveis pelo cuidado não remunerado de crianças, idosos e pessoas com deficiência. Isso aponta para uma realidade que ficou mais evidente durante a pandemia: a realização de diversas atividades de forma simultânea, ou sobrecarga de trabalho.
Muitas mulheres seguiram com o trabalho doméstico não remunerado, enquanto outras acumularam trabalho externo e a responsabilidade com a família e a casa. De acordo com a pesquisa, 41% das mulheres que continuaram trabalhando durante a pandemia, sem alteração salarial, trabalharam mais no isolamento social. Enquanto isso, 40% disseram que a sustentação da casa foi colocada em risco durante a pandemia e o isolamento social. O pagamento de aluguel e outras contas básicas foram as principais dificuldades encontradas pelas mulheres negras, a maioria que teve a percepção de que foram afetadas financeiramente. 58% das mulheres que estavam desempregadas eram negras e cerca de 16% de todas as entrevistadas tiveram prejuízo de renda e estavam sem trabalho remunerado.
Dados de violência apontam dificuldade de denunciar agressores durante a pandemia
O aumento da violência contra as mulheres foi, sem dúvidas, uma das principais preocupações de organizações que atuam com a temática feminina e com o combate à violência contra as mulheres. Se por um lado o isolamento social foi desde o início da pandemia defendido como uma das principais ações de enfrentamento à Covid-19, por outro, acendeu um alerta para o risco de mulheres estarem mais tempo expostas aos agressores, que em maioria são os próprios companheiros.
A publicação “Impacto da Covid-19 na violência contra mulheres na América Latina e no Caribe” da ONU Mulheres indicou que a violência contra mulheres, em especial a violência doméstica, se intensificou durante a pandemia. Os dados destacam o aumento no México, Bolívia, Colômbia, Brasil e Argentina, além de outros países. A ONU Mulheres elaborou e divulgou estratégias e recomendações para prevenir e combater a violência contra mulheres e meninas diante da pandemia de Covid-19. Segundo a organização, o Brasil implementou pouquíssimas medidas de proteção às mulheres na pandemia. O que vimos durante o último ano foi o desmonte do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e de políticas públicas para meninas e mulheres.
Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o 190 registrou no primeiro semestre de 2020 147.379 ligações sobre violência doméstica, um aumento de 3,8% em relação ao ano anterior. Em Santa Catarina o aumento foi de 11,4%, com 12.182 ligações registradas no primeiro semestre de 2020.
Apesar destes dados terem aumentado, o anuário observou queda nos registros de crimes que dependiam da presença física da vítima para denúncia, sobretudo as vítimas de estupro, que necessitam de exame pericial. Em Florianópolis, a vinculação da coordenadoria Municipal de Políticas Públicas para Mulheres à Fundação Somar, aprovada em janeiro pela reforma administrativa do prefeito Gean Loureiro, causa preocupação. Mulheres e movimentos feministas e de resistência na capital catarinense cobram a execução do Plano Municipal de Políticas para Mulheres, que está em revisão.
Por outro lado, a composição da Câmara Municipal de Florianópolis reafirma a importância de mulheres na política, pensando e pautando a cidade. Pela primeira vez uma mulher eleita preside a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e Igualdade de Gênero – CDDMIG. A vereadora Carla Ayres (PT) já havia assumido a presidência enquanto suplente, agora eleita, preside a comissão composta por mais três vereadoras e um vereador.
Saúde das mulheres X mulheres no enfrentamento à pandemia
Com o isolamento social, desemprego, responsabilidades, sobrecarga de trabalho remunerado e não remunerado, violência e a própria Covid-19, algumas mulheres não suportaram o peso colocado sobre elas. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, as mulheres foram mais afetadas emocionalmente na pandemia, “respondendo por 40,5% de sintomas de depressão, 34,9% de ansiedade e 37,3% de estresse”.
As mulheres também são maioria no enfrentamento à Covid-19. 70% das trabalhadoras e trabalhadores ligadas (os) à saúde no mundo é do sexo feminino, é o que revela o relatório “Covid-19: Um Olhar para Gênero” do Fundo de População das Nações Unidas. No Brasil o número é de 65%, segundo o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Já o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA 2020 revela que 78% das vagas de médica (o), agente comunitária (o), técnica (o) e auxiliar de enfermagem são do sexo feminino.
Pobreza menstrual afeta a vida de mulheres e outras pessoas que menstruam
Todas as dificuldades citadas anteriormente, somam-se a outras já existentes, como a falta de acesso à informação, produtos de higiene e saúde menstrual. Elas afetam diretamente as oportunidades de estudo e trabalho, convívio na sociedade e saúde das mulheres e de outras pessoas que menstruam.
Infelizmente a sociedade não discute saúde da mulher e não fala sobre menstruação. Um tabu, que não é discutido em casa, nas escolas e do ponto de vista do Estado. Uma pesquisa da marca Sempre Livre apontou que 19% das mulheres entre 18 e 25 anos não possuem acesso ao absorvente tradicional, devido ao preço elevado. Outros dados apontam que 22% de meninas de 12 a 14 anos não têm acesso regular a absorvente e 26% de meninas de 15 a 17 anos não têm esse acesso regular no Brasil.
Não é só falta do absorvente, como também da água para higienização, saneamento básico, privacidade do uso de banheiro, por não ter banheiro individual em casa ou banheiro só para mulheres no trabalho, entre outros fatores. Além disso, no Brasil o absorvente não é tido como item de primeira necessidade, isso faz com que os impostos sejam diferentes e consequentemente mais altos do que se fosse considerado de primeira necessidade, a exemplo do sabonete e creme dental. As improvisações na ausência de absorvente vão desde pedaços de tecido, meia, miolo de pão, jornal a papel higiênico.
Com base em pesquisas, diálogos e propostas já apresentadas em diversas regiões do país e do mundo, a vereadora Carla Ayres (PT) protocolou Projeto de Lei para instituir o Programa Municipal de Erradicação da Pobreza Menstrual por meio de políticas de atenção à saúde, educacionais e assistência social no Município de Florianópolis.
O PL tem por objetivo promover a saúde e higiene das pessoas que menstruam, por meio da criação de um programa de ações educativas, saúde, assistência social, conferências e campanhas de esclarecimento periódicas que facilitem o contato da população e dos profissionais desta área com o tema, bem como, a criação e aprimoramento das políticas públicas voltadas para a erradicação da pobreza menstrual no município.
A proposição tem o apoio de Caê Martins, ex-vereador de São José e autor da Lei 5.908/2020; Arlete Sampaio, deputada do Distrito Federal e autora da Lei n. 6.779/2021 do DF; Marília Arraes, deputada federal e autora dos Projetos de Lei n. 4968/2019, 5474/2019, 1342/2020 e 217/2021, que tramitam no Congresso Nacional; a pesquisadora Úrsula Maschette, e do Coletivo Menstruando sem Tabus (@menstruando.semtabus).